segunda-feira, 19 de julho de 2010

Aprenda a lidar com um familiar depressivo

ANGELA SENRA

Colaboração para o UOL

É preciso desvincular depressão de qualquer chateação. Trata-se de um estado profundo e repetitivo de tristeza, que desvincula a pessoa do que é vital



TRATAMENTO COMBINA PSICOTERAPIA E REMÉDIOSA depressão é uma doença, mas se você já sofreu com ela ou tem alguém próximo que tem o problema, sabe a dificuldade que é lidar com este transtorno. Quando uma pessoa tem um distúrbio declarado somente físico e fica desanimada na cama, todo mundo entende, mas se o problema é depressão, é outra história. Muitas bobagens são ditas neste momento. As mais comuns são que o paciente não tem força de vontade, que não valoriza a vida que tem. “A intenção pode ser boa, mas o resultado é o pior possível. Ouvir isso aumenta a sensação de impotência do deprimido”, diz a psicóloga e terapeuta familiar Suzy Camacho.



Como atualmente usamos a palavra depressão para qualquer chateação, é importante definir bem o seu significado. A depressão é um estado profundo e repetitivo de tristeza, que desvincula a pessoa do que é vital. Numa crise depressiva, a sensação de desesperança predomina, tornando difícil a identificação com tudo que é prazeroso. Por conta disso, é comum o depressivo perder o apetite, o sono, a vontade de trabalhar, de se cuidar, de tomar banho.



Paciência é fundamental



Para poder ajudar um familiar ou um amigo com depressão é preciso entender que ele não vai ser grato a você nem facilitar o tratamento, o que pode ser bastante irritante. “Em geral, a pessoa deprimida afasta-se de todos e distorce o fato dizendo que todos a abandonaram, portanto não é incomum que o deprimido trate mal quem o auxilia. É importante saber que isto faz parte da doença. Não é uma tarefa fácil nem agradável”, diz a psicanalista e terapeuta de casais e família Daniela da Rocha Paes Peres.



O apoio é fundamental, desde indicar um profissional, agendar a consulta e até mesmo levar o paciente. “Demonstrar compreensão, sem questionar ou minimizar o sofrimento do familiar dizendo que está com frescura já é uma grande ajuda”, diz a psicanalista.



Daniela lembra que o grau de tolerância ao incômodo gerado por um deprimido é muito variável. “Algumas pessoas simplesmente não têm paciência, enquanto outras agem de forma defensiva e horrorizada, demonstrando pouco contato com seu mundo mental. É bom ressaltar que qualquer pessoa está sujeita a deprimir.”



Reação exagerada



Não piore a situação

1Corte do seu repertório frases como "você deveria se divertir mais" ou "por que não sai com seus amigos?"



2É desgastante estar próximo de um deprimido, mas é preciso lembrar que ele está passando por um estado alterado e que não são distrações que irão tratá-lo, mas psicoterapia e remédio



3Não insista para que participe de grupos de apoio. Como o deprimido fica muito voltado para si mesmo, é raro que se beneficie do grupo no auge da doença



4Mas em casos crônicos, com famílias que têm vários membros afetados, a reunião com pessoas que têm o mesmo problema pode ser positivo.



5Partilhar experiências ajuda a ter uma visão menos preconceituosa da doença



Daniela da Rocha Paes Peres, psicanalista e terapeuta de casais e família A psicoterapeuta Amelia Nascimento diz que existem diferentes níveis de depressão. Ela lembra que o fato de alguém se sentir infeliz de vez em quando não quer dizer que esteja prestes a entrar em depressão. Mas a tristeza se torna preocupante quando a pessoa fica exageradamente fragilizada diante de pequenas dificuldades, como uma discussão com um amigo ou um puxão de orelha do chefe. É preciso observar também a adequação entre o acontecimento e a reação. “Se um desentendimento com o namorado provoca crise parecida com a da perda de um ente querido, deve-se ficar alerta”, afirma Amelia.



Outros sinais de depressão são: fugir da luz, preferindo passar horas no escuro; evitar o convívio social; não sentir necessidade de namorar, rir ou se divertir. É muito comum também que alguém neste estado comece a faltar ao trabalho ou que passe a se identificar de forma exagerada com a dor alheia. “A mãe de um amigo distante morre e a pessoa, então, começa a se lembrar de suas perdas do passado e a pensar em todas as coisas tristes que acontecem no mundo, sofrendo desesperadamente por isso”, explica Amelia.



Fuga do prazer



Para Daniela, a depressão inclui severa autocrítica, falta de perspectiva, ausência de humor e pessimismo. “A pessoa triste pode ficar sem ânimo, com choro fácil, sem apetite e insone, mas não dirige a si e aos outros uma crítica raivosa como o deprimido faz. Outra diferença é que alguém triste pode eventualmente fazer planos futuros ou rir de algo engraçado, o que é bem difícil acontecer com o deprimido”, afirma Daniela.

A professora Mariana*, 34 anos, conhece bem estes sintomas. Até os 25 anos, quando se casou, nunca tinha viajado ou comemorado um aniversário, Natal ou Ano Novo em família. “Minha mãe tem depressão, mas nunca admitiu fazer um tratamento. Ela não vê prazer em absolutamente nada, só fala de morte, nunca de vida. Eu e meus irmãos fomos criados isolados. Nem refeições em família fazíamos juntos”, conta.



Negação faz parte do quadro



Com o marido e os filhos Mariana* tem descoberto um novo mundo, longe dos pais e dos irmãos. “Eles estão sempre para baixo, só enxergam o lado negativo da vida e não acham que isso seja um problema. Meu marido me ajudou a compreender que eu precisava fazer terapia e acabei descobrindo que eu também era depressiva”. Só que, ao buscar tratamento, Mariana ficou menos tolerante com o comportamento da mãe. “Às vezes, eu pego pesado, invado o espaço dela porque quero que busque ajuda, mas não adianta. Na única vez que consegui que tomasse remédio, ela ficou ótima por um mês, mas quando se deu conta do que estava acontecendo, jogou os comprimidos no lixo.”



Um dos irmãos e a cunhada também estão demonstrando sinais da doença, mas segundo Mariana*, eles acham normal. “Com exceção do caçula, de 20 anos, na minha família todo mundo vive se arrastando e ninguém questiona nada”.



A depressão crônica da mãe de Mariana é diferente de um episódio isolado, mas a recusa ao tratamento é comum à maioria dos doentes. “Um diabético aceita tomar insulina para o resto da vida porque entende que seu pâncreas não produz mais a substância, mas os pacientes com depressão têm dificuldade em aderir ao medicamento por medo de ficarem dependentes”, diz Suzy.

sábado, 3 de julho de 2010

Sem medo de lutar contra a tristeza

Antidepressivos costumam ser desaconselhados na gravidez.

Agora se sabe que o feto pode ser mais prejudicado pela


depressão do que pelos remédios que a combatem

Bebê perfeito


Maria Juliana, que teve depressão na gravidez de sua filha de 3 anos: "Fiquei temerosa de tomar remédios, mas o médico receitou e fui em frente"



Quando soube que estava grávida pela segunda vez, em 2006, a administradora hospitalar curitibana Maria Juliana Roberto, hoje com 30 anos, ficou radiante. Ela e seu marido esperavam ansiosamente a chegada de mais uma criança. A gestação avançou e, de repente, o mundo de Maria Juliana começou a desabar. Ela não tinha apetite, dormia só duas horas por noite e sentia uma enorme angústia, sem razão aparente. "Só queria ficar quieta", ela relata. Uma consulta ao obstetra resultou no diagnóstico de depressão e numa receita de antidepressivo. "Fiquei com medo de prejudicar o bebê com o remédio, mas fui em frente", ela diz. Maria Juliana se curou e, meses depois, deu à luz Ana Júlia, uma menina saudável.


Até há pouco tempo, o mais provável era que o médico tivesse receitado a Maria Juliana um calmante natural e recomendado que fizesse terapia. Temia-se que o risco de os antidepressivos causarem danos ao feto fosse muito grande e não valesse a pena curar a mãe. Ocorre que o número de gestantes com diagnóstico de depressão aumentou exponencialmente nas últimas três décadas. Estatísticas recentes apontam que a doença já atinge 20% das grávidas no mundo – quase o dobro do número de mulheres que desenvolvem a depressão pós-parto. Na década de 80, a depressão era diagnosticada em apenas 5% das gestantes. Com o advento de novas gerações de antidepressivos, os médicos começaram a reavaliar sua opinião sobre tratar a depressão das grávidas com medicamentos.

Há dois meses, a Associação Americana de Psiquiatria fez uma revisão nas recomendações de tratamento da depressão na gravidez. No relatório, a entidade recomenda o uso de antidepressivos em casos de depressão moderada e grave. "A depressão na gestação continua sem tratamento adequado por causa das preocupações com a segurança do bebê, o que é um erro", escreveu a coordenadora do estudo, a psiquiatra Kimberley Yonkers, da Universidade Yale. "Nenhum antidepressivo é 100% inócuo. No entanto, o médico deve avaliar as consequências de não tratar a paciente", diz o psiquiatra Joel Rennó Júnior, do Hospital das Clínicas de São Paulo. Em muitos casos, a depressão na gravidez pode trazer mais danos ao feto do que a medicação em si. A liberação de cortisol, o hormônio do stress, por um longo período pode causar descolamento de placenta, hemorragia e má-formação no feto. Bebês cuja mãe sofreu de depressão na gestação costumam apresentar apatia e déficit de atenção. Os médicos avaliam que as pesquisas que relacionam o uso de antidepressivos pelas gestantes a alterações cardía-cas e hipertensão pulmonar em recém-nascidos são inconclusivas.

Lilo Clareto

Estigma que resiste

Maria Felix, que passou a maior parte de sua primeira gravidez com sintomas de depressão, sem que a doença fosse diagnosticada: "Pensava-se que eram os sintomas da gestação"


Entre os antidepressivos considerados mais seguros durante a gestação estão os que agem apenas nos níveis de serotonina, do tipo Prozac e Zoloft. "Os remédios mais antigos, como o Anafranil, apresentam baixo índice de toxicidade para o feto, mas os bebês podem ter reações de abstinência ao medicamento depois de nascer", diz Rennó Júnior. "A depressão na gravidez é tão estigmatizada que muitos obstetras relutam em diagnosticá-la", diz o psiquiatra Geraldo Possendoro, da Universidade Federal de São Paulo. A dona de casa paulista Maria Felix, de 30 anos, passou a maior parte da sua primeira gravidez no hospital. Ficava irritada, insegura, sentia dores de cabeça e tremores. "Pensava-se que eram sintomas da gravidez e que tudo passaria quando o bebê nascesse", ela conta. Aconteceu o oposto. Depois do nascimento de sua filha, os sintomas pioraram. Só então ela consultou um psiquiatra, que diagnosticou a depressão e prescreveu medicamentos. Hoje, no final de sua quarta gestação, ela ainda teme que as sensações da primeira gravidez se repitam. Caso isso aconteça, o médico poderá voltar a lhe receitar medicamentos.

Com reportagem de Nathália Butti