sexta-feira, 4 de junho de 2010

Na alegria e na tristeza - revista istoé

Casais que conquistaram o sonho do casamento feliz mostram como escaparam da rotina e dos conflitos que ameaçam o amor

BRUNO WEIS





Quando se olharam pela primeira vez, bateu. No lobby do hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, onde estava hospedada, a atriz Malu Mader sentiu que algo de muito importante ia acontecer entre ela e um rapaz que ela nunca tinha visto antes. "Nem sabia que ele era o guitarrista dos Titãs, mas foi muito mais que amor à primeira vista", lembra Malu, 33 anos. Tony Bellotto sabia que ela era a atriz famosa. "Não podia imaginar que ela se interessaria por mim. Era muita areia para o meu caminhãozinho." Levou um ano até que eles se declarassem e ainda alguns meses até que fossem viver juntos. Dez anos depois, eles são marido e mulher, pais de dois meninos.



A relação entre Marta e Eduardo Suplicy começou com uma paixão avassaladora e manobras de sedução nada ortodoxas. Para atrair a atenção de Eduardo numa festa em que ele parecia meio distraído, Marta mostrou que já era uma mulher de atitude. Jogou Eduardo na piscina. Depois de recuperado de uma tremenda gripe, ele a pediu em namoro. Eles estão casados há 35 anos e têm três filhos. Numa conversa com amigos, há semanas, quando se discutia se a exposição diária na mídia quebra o encanto da imagem de Marta, Eduardo galanteou: "Para mim, a exposição diária não reduziu em nada o encanto dela." Como Malu e Tony, Marta e Eduardo realizaram um sonho que tantos homens e mulheres perseguem neste final de século: ter uma relação duradoura e feliz.



Chama do namoro Desde que a velha moral voou pelos ares com a revolução sexual dos anos 60, ninguém mais é obrigado a engolir para sempre o fracasso conjugal. Mas um amor mais forte que o tempo, desejo geral, ainda é privilégio de poucos. A maioria naufraga em algum momento da vida a dois, sufocada por dificuldades até banais, mas insuportáveis. "As relações fracassam quando as pessoas não conseguem se libertar dos mitos que levam para o casamento. Elas passam a interpretar todos os gestos do parceiro como confirmação de seus velhos medos e opiniões e se decepcionam", explica a terapeuta de família Thai Castilho, de São Paulo. Sem conseguir entender que o verdadeiro motivo de suas decepções não está no parceiro, elas começam a querer mudá-lo, criando novas dificuldades. Thai observa entre seus pacientes pouca disposição de lutar. "Os casais mais jovens aceitam mais facilmente a idéia da separação, até mesmo diante de dificuldades momentâneas", diz Thai, para quem um pouco mais de persistência faria muito bem a casamentos em crise.



Entre as pessoas de sua geração, os nove anos de casamento de Tony Bellotto e Malu Mader parecem uma façanha. "Nossa união dura porque se transforma. A gente está atenta para evitar ciúme, picuinhas e comportamentos que se tornam cânceres da relação", diz Tony, 38 anos, músico e escritor, que já tinha se casado uma vez e tem uma filha, Nina, de 17 anos, que mora com ele no Rio de Janeiro. "No nosso casamento é fundamental estar junto, trocar idéias e, principalmente, sexo. Senão é amizade", diz o autor dos romances policiais Bellini e a esfinge e Bellini e o demônio. Malu não acredita em certo ou errado em relação a dois. Por isso deixa claro que não pretende dar receitas. "Nosso casamento não é tradicional, estilo família entediada na sala, vendo televisão. No fundo, nossa sorte é que nos amamos muito e isso deixa a chama do namoro acesa", descreve.







"Lá vem a crise" Malu acredita que a liberdade entre os dois é um aspecto básico da relação, mas admite que o ciúme é uma dificuldade a ser encarada. "Sei que ele é lindo e que não sou a única que acho", diz. Segundo Tony, a vida atribulada dos dois acabou dando uma contribuição positiva ao casamento. "A correria e as viagens ajudam mais do que atrapalham porque ficar longe também é importante. Depois de uma turnê, eu esqueço as mesquinharias da relação e só quero ficar perto, junto", diz o músico. A chegada das crianças, João, três anos, e Antônio, um, também transformou a relação. "Eles mudam o ritmo da nossa vida. Sobra pouco tempo para um jantar a dois ou para namorar na hora que der vontade", diz Malu, que sempre procura cavar um espaço em sua agenda apertada para ficar a sós com o marido. Mas ela se sente recompensada: "Ver os filhos crescer e cada vez mais se parecer com o homem que amo é o máximo", derrete-se Malu. Ela garante que eles nunca tiveram uma crise. "Parece incrível, mas a gente até brinca, quando discute: lá vem a crise", ela conta.



Juntos há 35 anos, é natural que Marta e Eduardo Suplicy já tenham enfrentado muitas crises, mas souberam passar por todas. "A vontade de estar junto e saber ceder são muito importantes", diz Marta. Ela abriu mão de seus interesses profissionais para ficar com o marido quando ele foi para os Estados Unidos fazer mestrado. "Eu não queria ir, mas acabei concordando, pois era um momento importante dele." Anos depois, foi a vez de Eduardo mudar de planos para satisfazê-la. "Ele queria concorrer à Prefeitura de São Paulo no ano 2000, mas depois do sucesso da minha candidatura na última eleição mudou de idéia. Percebeu que eu mereço", conta a ex-candidata a governadora de São Paulo.



Marta e Eduardo reconhecem que às vezes existe competição entre marido e mulher, mas conseguem administrá-la. "É claro que é difícil. Quando o PT me chamou para disputar a eleição no ano passado, o Eduardo se abalou, ficou uns quatro dias quieto, fechado, até me dizer que era a hora de ele me ajudar. E ele me ajudou muito", reconhece Marta. Saber ver uma situação de outro ponto de vista além do pessoal é uma boa maneira de sair de um impasse e exercer a cumplicidade.



O risco da perda Na opinião de Marta, há uma coisa mais importante do que a cumplicidade: o tesão. "Quando não há atração não é possível continuar." Para isso, ela acredita que as pessoas precisam do risco da perda – saber que o parceiro não está garantido para sempre. "No meu caso, sei que o Eduardo é desejado por outras mulheres e eu trato de seduzi-lo. Ele também sabe que eu sou atraente e faz o mesmo. É importante existir esse risco", avalia Marta, que relativiza a importância da fidelidade. "Nem sempre é fatal. Depende de como o casal encara a situação. Eu já vi casamentos acabarem por uma simples troca de olhar e outros resistirem quando a infidelidade acontece mesmo."



Um relacionamento longo é questionado muitas vezes, como sabem Antônio e Malu Gimenez, ambos de 46 anos, de São Paulo, que comemoraram em novembro último suas bodas de prata. "Se estamos juntos, é porque os momentos gratificantes pesaram mais do que as crises", afirma o geólogo Antônio. "Fiquei muito contente com a data. Tinha uma expectativa muito grande de completar 25 anos de casado." Para Malu, uma das situações mais delicadas foi quando o marido se ausentava de casa com muita frequência, por causa de trabalhos de campo, e isso a obrigava a cuidar dos filhos sozinha. "Ao longo de uma relação, há períodos de mais proximidade e outros de afastamento. O que é intolerável é a indiferença", ela acredita.



Encarar os problemas foi, para Malu, dona de uma loja de paisagismo, o segredo de terem continuado juntos. "Não escamoteamos nada e até procuramos ajuda de uma terapia de casal", conta. "Ao resolver as brigas não deixamos nada acumulado, minando a relação", diz Malu Gimenez. E completa: "Minha geração tinha um discurso muito libertário, mas uma atitude conservadora diante dos problemas. Continuávamos a disfarçá-los. Foi preciso esforço para mudar." A psicoterapeuta Márcia Ceconello sublinha a importância de que cada um saiba exprimir as suas carências, em vez de esperar que o parceiro adivinhe. "Esta é uma responsabilidade individual", explica a especialista.







Molecagem Casar nunca tinha passado pela cabeça da atriz e apresentadora Bruna Lombardi, 44 anos. Nem mesmo quando conheceu seu marido, Carlos Alberto Ricelli, 51 anos, durante as gravações da novela Aritana, 20 anos atrás. "Achei que fosse dar em nada, no máximo uma aventura. E a mágica da nossa relação é que o espírito de namoro continua até hoje. Juntos, somos quase moleques", afirma Bruna, que teve com Ricelli o garoto Kim, 16 anos. O ator afirma que o relacionamento se sustenta em amor, tesão e admiração. "Eu torço por ela, gosto de sua presença e sinto falta dela quando estamos longe", afirma ele, para quem a paixão não esfria com o tempo. "Ela não é substituída, é somada a outros sentimentos, como amizade." Vivendo a maior parte do tempo em Los Angeles, nos Estados Unidos, Bruna e Ricelli vivem um modelo tradicional de relação. "Nunca pensamos em morar em casas separadas. Dormir junto, de pernas entrelaçadas, é uma das melhores coisas do casamento", comenta a atriz.



Bruna e Ricelli pertencem a uma categoria de casais que, segundo o psicanalista Fábio Herrmann, dão certo porque têm interesses e projetos comuns e que, mais do que qualquer outra coisa, se divertem juntos. "Certamente o sexo também colabora para a manutenção da relação, especialmente quando é redescoberto. Quando somos jovens comemos no McDonald’s, depois sofisticamos nossos pratos. É importante um refinamento do gosto sexual, partilhando fantasias e cultivando-as." A culpa pela falta de tesão vai cair muitas vezes na ação anestésica da rotina e do stress. A acusação é injusta. "A rotina só mata o desejo se o casal não proteger as fronteiras de sua intimidade. Se a família e o trabalho invadirem esse território, o desejo morre soterrado", diz a terapeuta Thai Castilho.



Projetos pessoais O risco do divórcio também existe se a realização pessoal não tem fontes fora do casamento. Só a felicidade conjugal depende exclusivamente dos dois envolvidos. "É preciso que o casamento não seja a única coisa importante na vida de cada um, apenas uma faceta", acredita Teresa Fittipaldi. Ela e o piloto Emerson Fittipaldi estão juntos há 14 anos e apenas em 1995 oficializaram a união, quando realizaram uma cerimônia no Vaticano. Teresa usou véu e grinalda e o casal foi abençoado pelo papa. "O engraçado é que na minha época a gente era criada para casar, e a mulher se apoiava na figura do marido, como se sozinha não fosse auto-suficiente", lembra Teresa. Para Emerson, os momentos de crise existem e devem ser superados com a ajuda dos dois. "Todo casamento tem altos e baixos." O médico Sérgio Bettarello, do instituto de psiquiatria da Universidade de São Paulo, reforça a visão de Teresa. Para ele, os casais que delimitam a importância do casamento têm mais facilidade de continuar juntos. "O problema é fazer do matrimônio o lugar de realização de todos os projetos individuais dos cônjuges."



Interesses e projetos pessoais podem não ser atravancados pelo casamento, mas a escolha de viver ao lado de uma pessoa implica renunciar a outras relações. A filósofa Terezinha e o jornalista Fernando Rios, ambos de 55 anos, estão juntos há 34 anos e nunca pensaram em provar relacionamentos paralelos. "Pode ser muito doloroso. E, se deixamos de viver outras experiências, temos a recompensa de poder ser totalmente abertos um com o outro, e construir uma profunda intimidade", avalia Terezinha. Seu marido atribui a duração do casamento a um outro fator: "Quando casamos, dissemos que não era para sempre. Tirar essa expectativa foi ótimo pois a escolha não presume a eternidade", diz. "Outra coisa é que administramos os contrários, sabemos que nossos pontos de vista, diferentes em vários assuntos, tornam a relação mais rica", completa Fernando. Ele gostar de música atonal e ela de new age nunca os impediu de desfrutarem juntos dezenas de prazeres como sair com os amigos, conversar sobre trabalho e dançar. "Isso se deve a um respeito muito grande e a vários interesses comuns", acredita Terezinha.



Ao se falar de casamento, há quem aposte que a expressão "instituição falida" caia em desuso no próximo século. Para esperança geral, também têm surgido ingredientes favoráveis à felicidade a dois. Nos anos 90, a emancipação financeira mais tardia dos jovens, a mentalidade mais aberta que não obriga a casar quem deseja apenas sexo e afeto, além da própria discussão da viabilidade do casamento, têm favorecido escolhas e decisões mais bem-fundamentadas. "Por tudo isso, e principalmente pela emancipação da mulher, não se casa mais no automático", diz o psiquiatra Sérgio Bettarello.





Colaboraram: Gisele Vitória, Marta Góes (SP) e Valéria Propato (RJ)













Como fazer amor com a mesma pessoa por toda a vida...

...e continuar gostando









VALÉRIA PROPATO





Que casal resistiria a título como esse? O livro de auto-ajuda da psiquiatra americana Dagmar O’Connor é um sucesso nos Estados Unidos e no Brasil vai para a 14a edição. Diretora do Programa de Terapia Sexual do St. Luke’s-Roosevelt Hospital Center, nos Estados Unidos, a psiquiatra, que trata há mais de 15 anos de melhorar a vida de casais infelizes na cama ensina como combinar relações duradouras com sexo dinâmico.



ISTOÉ – Há quem diga que sexo e casamento são incompatíveis...

Dagmar O’ Connor – Trabalhar o dia todo e ainda cuidar dos filhos e da casa podem matar o desejo. Mas não se deve culpar o casamento. O sexo é algo que devemos fazer acontecer. Ficar uma noite na cama com o parceiro é um bom começo. Se haverá sexo não importa. O fundamental é dedicar tempo ao outro. Os casais também precisam deixar de se tratar como "papai"e "mamãe" e voltar a ser amantes.



ISTOÉ – Qual é o primeiro mandamento do sexo no casamento?

Dagmar – Muitas pessoas acreditam que é o "dar e partilhar". Eu sugiro que elas tentem ser mais egoístas. O sexo egoísta é o melhor caminho para a satisfação plena. Dois egoístas na cama conseguem tudo o que desejam.



ISTOÉ – Como são os exercícios que a senhora ensina?

Dagmar – Na primeira lição, o casal se acaricia alternadamente durante 45 minutos. Os seios e os órgãos genitais não devem ser tocados e é preciso resisitir à tentação de retribuir carícias. Nada de orgasmos. Deve-se apenas relaxar e sorver os carinhos. O objetivo é desaprender os mitos que impedem o prazer e que nos colocam numa competição sexual, preocupados com desempenho, em vez de assumir nossas inibições naturais.



ISTOÉ – Romances extra-conjugais ajudam a esquentar o casamento?

Dagmar – Não quero dar aqui um depoimento moral. A infidelidade não acontece gratuitamente; ela geralmente tem a ver com as inibições e fantasias do parceiro infiel. Não tem nada a ver com o parceiro traído. E nos faz perguntar por que estamos casados. Tem quem ache ideal ter família e parceiro fixo de um lado e o sexo excitante do outro. Essa teoria não funciona na prática. A experiência dos anos 60 e 70 com casamentos abertos fracassou. Hoje, a opção mais natural ainda é o relacionamento de compromisso. Resistir à tentação não é tão impossível. Se aplicássemos metade do nosso tempo e energia gastos em relacionamentos extraconjugais para tornar a vida de casado mais excitante, teríamos a confiança de um relacionamento contínuo e a emoção e a aventura de um caso.



ISTOÉ – O que fazer quando um dos parceiros não tem vontade de fazer amor?

Dagmar – Deve-se conversar e aprender a ouvir os sentimentos do parceiro, em vez de se defender ou julgar o outro.









Uma pessoa, um universo erótico





"Nosso casamento dura porque há muito afeto. A gente se ama, se gosta, se respeita, é cumplice, enfrenta tudo junto. Há lealdade e necessidade um do outro. A gente sente que sem o outro não opera. A fonte do prazer tem que jorrar. É importante ter projetos juntos. A Flora participa muito do meu trabalho, somos muito unidos. Quando essas coisas deixam de existir, a fonte de prazer seca.



Acho que o casamento é uma forma de eleição. Você elege aquela pessoa para representar o todo, o universo erótico, as suas fantasias. E você tem que ser parcimonioso. Admitir a vida toda contida naquela pessoa. No casamento, há uma troca simbólica. Troca-se o simbolismo da variedade pela qualidade. Você não precisa da superabundância. Também tem que aceitar as imposições do tempo. O tônus muscular dela vai modificar e o teu também. É preciso aceitar essa mudança no tempo e no espaço dos dois.



Acho que o casamento é a busca de unidade e ela, a unidade, passa a ser constituinte do seu parceiro. E tem que estar sempre alimentando. Eu e Flora nunca nos separamos e brigamos muito poucas vezes. Acho que tem que ter humildade para superar as crises. Eu digo sempre que os erros são meus porque, mesmo que ela esteja errada, o meu aborrecimento é um problema meu. Eu tenho que perdoar. Se você não souber amar a pessoa mais próxima, como vai amar os outros?



Há períodos em que um está mais a fim de sexo do que o outro. Eu tenho uma música que diz assim: "A gente ama e o amor produz transformações. Novos desejos vão tornando nossos beijos mais azuis, menos carmim." Porque uma pessoa de 56 anos tem que ter uma performance de 26? Seria absurdo. O desempenho sexual exuberante vai dando lugar à qualidade. Para mim, sexo tem que ser cada vez mais simples, mais inteiro, penetrar na alma."



O pecado capital do casamento é abandonar a relação a dois. Os dois têm que estar em tudo. Não pode esquecer que existe a unidade.





GILBERTO GIL



56 anos, casado há 19 anos com Flora, 37.

Nenhum comentário:

Postar um comentário