quarta-feira, 27 de abril de 2011

Transtornos onde buscar ajuda


Transtornos ligados à depressão e ansiedade são os mais frequentes.

Postos e centro de atenção psicossocial são opções para atendimento.

Giovana SanchezDo G1, em São Paulo
Os transtornos mentais acometem, em algum momento da vida, ao menos 20% da população mundial. No Brasil, os cuidados com a saúde mental no sistema público sofreram uma reforma que começou há quase 20 anos e que procura evitar as internações em hospitais psiquiátricos, criando mecanismos de diagnóstico e tratamento mais amplos, com equipes multidisciplinares. Um dos exemplos da mudança é a criação dos Centros de Atenção Psicossocial, os Caps, implantados no Brasil em 1986 e que hoje já somam 1.620 em todo o país.
Apesar das mudanças, especialistas na área consideram a rede de atendimento público ainda insuficiente. Das 436 unidades básicas de saúde do município de São Paulo, por exemplo, 122 oferecem atendimento psiquiátrico, menos de 30%. Segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, nenhum hospital municipal faz atendimento ambulatorial psiquiátrico, como consultas agendadas, por exemplo, e apenas sete hospitais e três prontos-socorros de gestão municipal atendem emergências.
"O resultado disso é uma sobrecarga aos serviços dos hospitais-escola pela ineficiência do sistema ambulatorial das unidades básicas de saúde. Todos os dias pelo menos 10 pedidos de internação psiquiátrica não podem ser atendidos na cidade porque não há vagas", explica Valentim Gentil Filho, chefe do departamento de psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
Segundo a Associação Brasileira de Psiquiatria, transtornos mentais são a segunda causa dos atendimentos de urgência. Uma pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) de 2006 realizada no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) de Marília, no interior de São Paulo, mostrou que 16% dos pacientes atendidos apresentaram transtornos mentais e do comportamento.
tabela doenças mentais (Foto: Arte/G1)
Onde ir
Quando observado algum sintoma de depressão, ansiedade ou qualquer outro tipo de confusão mental, deve-se procurar uma unidade básica de saúde com atendimento psiquiátrico ou o ambulatório de psiquiatria de hospitais-escola como o Hospital das Clinicas, em São Paulo. Após uma avaliação, o paciente poderá ser encaminhado, dependendo do caso, para um hospital com atendimento psiquiátrico ou para um Caps.
A internação é reservada a casos graves. As residências terapêuticas são alternativas de moradia para pessoas internadas há anos em hospitais psiquiátricos. O programa 'De Volta Para Casa', criado pelo governo federal em 2003, oferece auxílio mensal de R$ 320 para os pacientes que receberam alta hospitalar após internação psiquiátrica.
Transtornos comuns
As doenças psiquiátricas mais comuns na população são a depressão e os transtornos de ansiedade. Segundo o médico do departamento de psiquiatria da Unifesp Adriano Resende Lima, aproximadamente 10% das mulheres e 6% dos homens vão ter um episódio depressivo ao longo da vida.
"Hoje a depressão é o segundo maior problema de saúde pública no mundo, de acordo com dados da OMS [Organização Mundial da Saúde]. É importante a população saber que transtornos depressivos e ansiosos são comuns e causam grande impacto", explica o psiquiatra.
Segundo ele, é preciso diferenciar sofrimentos emocionais comuns de um transtorno depressivo. "Não é qualquer tristeza que é depressão. No caso da doença, há uma tristeza profunda, o indivíduo tem um grande grau de sofrimento, desânimo acentuado e há a perda da vontade e da capacidade de realizar tarefas. Nesses casos, a família geralmente fica mobilizada e o indivíduo fica inativo, improdutivo."
Os transtornos ansiosos são: pânico, com incidência de 3,5% na população; e o transtorno de ansiedade generalizada, com 3,4%. A esquizofrenia é uma doença considerada rara, que afeta 1% da população.
Há duas linhas complementares de tratamento para os transtornos mentais comuns: o farmacológico, com remédios, e o psicoterapeutico, com diferentes tipos de terapia. Para a depressão e ansiedade geralmente são ministrados antidepressivos, que variam de acordo com a natureza do caso.
Caps
A reforma do sistema psiquiátrico brasileiro criou os Caps e tenta ainda minimizar as internações psiquiátricas. A ideia é que a hospitalização seja realizada apenas em casos graves, ao contrário do que ocorria antes, quando os manicômios eram uma das poucas opções para quem sofria de doenças mentais. Nos últimos quatro anos, 6.832 leitos de hospitais psiquiátricos foram eliminados. Em 2010 ainda havia 32.735 desses leitos ativos.
Pacientes do Caps Itapeva têm instrução de computação e desenho (Foto: Giovana Sanchez/G1)Pacientes do Caps Itapeva têm instrução de computação e desenho (Foto: Giovana Sanchez/G1)
Hoje existem em todo Brasil 1.620 Caps, que oferecem tratamento multidisciplinar com psiquiatras, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais, nutricionistas, clínicos gerais e terapeutas ocupacionais. Para casos de dependência química e de álcool e atendimento infantil há Caps especializados.
No primeiro Caps aberto no país, da Rua Itapeva, em São Paulo, se tratam hoje 600 pacientes, que recebem três refeições, atividades recreativas e corte de cabelo. O centro está capacitado para atender casos de esquizofrenia, transtorno bipolar, depressões graves e transtorno de personalidade. A equipe que trabalha com os pacientes é de 50 pessoas.
A Região Nordeste é a que tem mais Caps, com 597 unidades para 51,8 milhões de habitantes, seguida pelo Sudeste, com 538 Centros para 80,3 milhões de pessoas. O Norte tem o pior número, com apenas 87 unidades para 15,8 milhões. Ao todo há um Caps para cada 151,5 mil brasileiros.
“Faltam investimentos e faltam Caps. Também faltam unidades básicas de saúde com capacidade para atender os transtornos mentais. É preciso uma política nacional que realmente olhe para o problema de forma abrangente e forneça recursos”, diz o psiquiatra Marcel Higa Kaio, diretor técnico do Caps Itapeva.

sábado, 23 de abril de 2011

Número de leitos hospitalares psiquiátricos é insuficiente para a demanda


Fabiana Mascarenhas | A Tarde
Vaner Casaes / Ag. A TARDE
Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira possui 140 dos 400 leitos para internação em Salvador
Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira possui 140 dos 400 leitos para internação em Salvador
As dificuldades do processo de internação de pacientes com transtorno mental por conta do número de leitos insuficientes é um dos entraves enfrentados por quem precisa do atendimento. De acordo com dados da Secretaria de Saúde do Estado da Bahia (Sesab), atualmente, o Estado conta com um mil leitos, 400 deles em Salvador.
São 32 leitos disponíveis no Hospital Psiquiátrico Mário Leal; 140 leitos no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira; 15 leitos no Hospital UniversitárioProfessor Edgar Santos (Hupes), o Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia (Ufba); 37 leitos no Hospital Irmã Dulce e 120 leitos disponíveis no Sanatório São Paulo – hospital privado conveniado ao SUS –, além de algumas clínicas privadas também conveniadas ao serviço público.
A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de um leito psiquiátrico para cada grupo de um mil habitantes, mas a Bahia tem 0,06 leitos por mil habitantes, de acordo com levantamento feito em dezembro de 2010 pelo Ministério da Saúde para o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde.
Redução -  O número de leitos para internação psiquiátrica é considerado insuficiente por boa parte dosprofissionais. “Dependendo do quadro clínico é indiscutível a necessidade de internação. Como o número de leitos é insuficiente, o internamento – que não acontece nos Centros de Atenção Psicossocial (Caps) – fica comprometido devido à redução da oferta de leitos distribuídos pela rede pública”, pontua a presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia, Miriam Gorender.
Entretanto, o coordenador de saúde mental da Sesab, Iordan Gurgel, afirma que a reforma psiquiátrica determina redução do número de leitos. “As diretrizes e princípios da política de saúde mental realçam a necessidade de reorientação do modelo de assistência centrado no hospital psiquiátrico para o modelo voltado para os centros alternativos. Os Caps fazem parte da rede de serviços criada para atender a egressos de instituições psiquiátricas, extintas pela Lei Federal 10.216”, esclarece Iordan Gurgel.
Desde 2001, quando a lei foi promulgada, ao menos 17 mil leitos psiquiátricos foram extintos em todo o País. Nos últimos oito anos, 54% dos leitos de Salvador foram eliminados. Dentro da proposta da reforma psiquiátrica, o doente mental tem o acompanhamento médico, participa de oficinas terapêuticas e retorna para o convíviofamiliar e social, sem ficar internado.
“Além dos Caps, as residências terapêuticas (destinadas a quem perdeu o contato com a família) e os centros de convivência são outras opções de assistência”, destaca Gurgel. Mas um levantamento do Ministério da Saúde mostra que apenas 11 estados brasileiros têm Centros de Atendimento Psicossocial 3 (Caps 3), que oferecem atendimento 24 horas para portadores de transtornos psiquiátricos, portanto o mais adequado para os casos de internação. Salvador conta apenas com um Caps tipo 3.
Iordan Gurgel se comprometeu a encaminhar uma lista com o número de Capes tipo 1, 2 e 3 existentes no Estado, assim como os municípios que os possuem, o que não foi feito até o fechamento desta edição.
Discussão - Na opinião da psiquiatra Miriam Gorender, o fechamento de leitos em hospitais psiquiátricos sem a oferta proporcional de tratamento na rede substitutiva (Caps e outros serviços) deixou pacientes de transtornos mentais desamparados. “Muitos deles estão perambulando pelas ruas, basta observar como o número de ‘malucos’ de rua, como a população tende a chamar, aumentou nos últimos anos. Infelizmente o Caps não substitui o leito psiquiátrico, o ambulatório ou o pronto atendimento”, diz.
Para o presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), Antônio Geraldo da Silva, a internação ainda é necessária porque não há um atendimento de qualidade em rede. “Nós deveríamos ter um sistema de atendimento em rede que primasse pela promoção da saúde. Se houvesse um atendimento primário e secundário adequado você reduziria a possibilidade de internação”, aponta.
A ABP nega defender a manutenção das internações, mas não economiza críticas à implementação da Lei 10.216/01, que regulamenta a reforma psiquiátrica no País. Para o órgão, o fechamento de leitos foi “precipitado”.